A Atividade Física / Qualidade de Vida e Bem Estar


Flexibilidade

Ao nascermos, recebemos um corpo saudável, perfeito (se não existir nenhum comprometimento físico ou mental), pronto para ser desenvolvido e explorado, dando-nos a chance de, no mínimo, levarmos uma vida saudável. A palavra saudável significa a integração de nossa saúde física, emocional, mental e espiritual, de forma equilibrada nos proporcionando uma vivência digna, repleta de sonhos e realizações, desafios, os verdadeiros norteadores de nossa existência.

Ao observarmos as crianças em movimento, notamos sua entrega, flexibilidade e expressão natural. Já ao observamos alguns idosos, notamos com tristeza o quanto sua movimentação é limitada, pobre e inexpressiva.

Sua musculatura e suas articulações respondem com muita dificuldade, deixando transparecer a desistência da “chama da vida”. O triste resultado, como todos nós sabemos, é o total desconhecimento e abandono do próprio corpo. (MENDONÇA, 2005).
Se observamos a resposta da natureza em nossos dias atuais, concluímos que somos responsáveis por grande parte dos desastres e catástrofes que vem destruindo nosso planeta.

Aí surge a seguinte pergunta. Por que? Simplesmente porque através de nosso egoísmo, ganância e displicência, não soubemos respeitar, cuidar, amar..e, agora nos resta a corrida atrás do tempo para minimizar os prejuízos e perdas. Não estou falando de perdas materiais, mas de milhares de vidas humanas.

Fazendo-se uma analogia com o corpo humano, concluímos que parte dos desastres (lesões, desequilíbrios, doenças, perdas, limitações) ocorrem muitas vezes pela falta de cuidado com nossos próprios corpos e buscamos como álibi, de forma até desonesta, a idade e a velhice como a causadora de todos os desastres.

Felizmente grande parte da população, incluindo um número significativo de idosos, já tem conhecimento sobre a importância da prática da atividade física no contexto de suas vidas e os benefícios tanto físicos quanto mentais resultantes desta prática, mas se esquecem que a programação desta prática deve ser inteligente e sistemática.
De acordo com Markondes (2000) o próprio senso autocinético do corpo cria em nós a tendência de treinarmos mais e melhor as capacidades mais bem desenvolvidas, bem como de evitar as que merecem mais atenção e requerem mais cuidados.

Reduzir as limitações e ampliar os potenciais do movimento são importantes objetivos capazes de manter atualizadas as condições do corpo em suas necessidades, atendendo a diversidade de corpos e minimizando os efeitos das nossas tendências individuais.
Como nosso tema trata-se da Flexibilidade e de sua importância dentro das atividades voltadas para o bem estar e qualidade de vida, notamos que a maior parte da população desconhece os reais benefícios do desenvolvimento do parâmetro Flexibilidade dentro dos programas de atividade física, sejam eles direcionados tanto às pessoas que necessitam de um equilíbrio pleno da funcionalidade de todas as estruturas corporais, quanto as pessoas performáticas: atletas, bailarinos, circo, etc... que necessitam de grandes amplitudes através da movimentação, na maioria das vezes dinâmica, especifica de cada modalidade.

Trabalhando diretamente com atletas e bailarinos constatei que os mesmos quando iniciam suas atividades, seus treinamentos, iniciam com amplitudes que de certa forma já ultrapassam seus limites estruturais.
Pude observar também que a automatização, muitas vezes distorcida em relação aos planos dominantes e individuais, posturas, trajetórias e amplitudes, aos nossos olhos se apresentam perfeitas, técnicas, mas que quando partimos para a análise constatamos que as estruturas através de um número interminável de repetições acabam se entregando e se ajustando à necessidade da movimentação especifica da modalidade.
Pois bem, é dentro de um trabalho de Flexibilidade que está embutido o refinado processo analítico do todo corporal, associado às possibilidades mecânicas de movimento e aos referenciais corporais qualitativos.

Esse processo engloba desde a singela descoberta da amplitude de um determinado movimento, no contexto da realidade corporal, limites e possibilidades, até o seu aprimoramento, objetivando o máximo de eficácia e funcionalidade do aparelho locomotor.
(MENDONÇA, 2005)

O processo analítico significa: investigação, exploração, conhecimento e vivência, assimilação e administração do nosso espaço pessoal segmentar e global, limites e possibilidades de movimento.

Consiste no trabalho de interação entre o corpo e nossa cognição, no qual cada segmento através de conexões inteligentes, desempenha a sua função objetivando a funcionalidade plena a depender do movimento proposto estimulando a nossa consciência estrutural: consciência corporal + consciência de movimento + performance proprioceptiva. Nós possuímos em nosso corpo estruturas especializadas (proprioceptores) que vão muito além da graduação de uma tensão ou relaxamento muscular.
Essas estruturas informam ao SNC (Sistema Nervoso Central) dados importantíssimos referentes ao posicionamento global do corpo: bases de sustentação, espaço pessoal, campo de ação, posicionamento em relação aos nossos ângulos (dissociações), velocidade do movimento executado, administração do comprimento segmentar etc.

A leitura corporal é justamente a somatória e a interpretação desses dados pelo SNC.
Através dessa leitura que acionaremos nossa inteligência corporal.
Através de nossa inteligência corporal trabalharemos a nossa consciência de movimento e a resultante desse processo será o movimento estruturado, sentido, vivido, controlado e qualificado.

Para Alter (1999) o alongamento pode nos ensinar lições sobre nossos próprios limites humanos e nos fornecer oportunidades para nos testarmos fisiologicamente. O bombeamento constante de sensações e informações a que se está submetido na vida urbana, nos dias de hoje, constitui enorme obstáculo para conhecermos nosso próprio corpo e a automotricidade.

A capacidade de intelectualizar o movimento que torna o trabalho de Flexibilidade tão precioso, ao despertar da consciência corporal. É a possibilidade de envolver na atividade não só o corpo psicomotor, mas também o cognitivo, enriquecendo tanto esse tipo de exercício.

Com atenção concentrada no gesto a pessoa trabalha a flexibilidade, prestando atenção em suas próprias sensações, aprendendo como o movimento se desencadeia e as modificações sistêmicas que provoca em toda a musculatura circunvizinha.
Considere-se o contraste entre o estiramento máximo da musculatura e a utilização extrema das articulações, contraposto ao relaxamento destas estruturas. Leve-se em conta, ainda, o auxílio de uma respiração ampla e compassada, auxiliando na concentração da atenção no movimento executado (DANTAS, 1989).

Acompanhando a colocação do autor no parágrafo anterior, gostaríamos de esclarecer que o relaxamento das estruturas (neutralidade das articulações) é obtido somente quando trabalhamos sobre as nossas bases estruturais através de nossa realidade corporal (dados biométricos). São nossos registros de estabilidade máxima. Ao nos movimentarmos através de nosso espaço pessoal, segmentar e global, analisando nossas possibilidades de movimento e nossos limites, obteremos nossos registros sensoriais espaciais.

Costumo dizer que em nossas bases estruturais (biomecanicamente corretas) é que iniciamos a conquista de nossas estruturas e perceberemos o quanto é importante trabalharmos nossas amplitudes, aprimorando-as através da definição de planos, definição de trajetórias, precisão de nossos ângulos etc... objetivando o como e não o quanto nós ampliamos nossos movimentos.

Para Achour (2006), os eixos de realização, os ângulos de movimentos e as direções das fibras musculares favorecem a técnica dos exercícios de alongamento.
O autor faz outra colocação, que considero fundamental, a qual traduzo como hierarquia de solicitação gradativa da dinâmica corporal. “Para desenvolver a flexibilidade melhora-se primeiro a qualidade postural estática e dinâmica, para depois se preocupar com a tensão de alongamento e finalmente com a amplitude de movimento.”

Portanto, é através de um trabalho de flexibilidade inteligente e qualitativo, que conseguiremos afinar nossas estruturas corporais, assim como em um piano, para que possamos obter como resultante o mais puro e o mais harmonioso som representado por uma eutonia plena, autopercepção e autoconhecimento, o relaxamento traduzido pelo equilíbrio entre uma respiração controlada, mecânica do corpo, postura e na verdade toda a organização motora.

Meu querido mestre Ângelo Gaiarsa diz:
“Todas as técnicas corporais se destinam a levar a pessoa a perceber “por dentro“ – conscientemente – o que o seu corpo está mostrando a quem queira ver”.

“Apurando sua propriocepção a pessoa pode se dar conta, enfim do quanto e de quantos modos seu corpo está amarrado, tolhido, contido...
Sempre que uma pessoa consegue atenuar uma rigidez motora ou abolir um estereótipo motor, ela experimenta sensações novas, muitas vezes com um colorido claramente orgástico, vivo, livre – qualquer que seja a região do corpo que “ soltou”.

“Nada mais legitimo do que amar meu corpo por tudo que ele me proporciona, por tudo que ele é, por sua história, por sua complexidade, por sua versatilidade sensorial, por todas as danças que ele pode fazer”

“Estudar a motricidade humana e trabalhar com ela, é percorrer um caminho mágico, repleto de desafios e conquistas...”

Prof.ª Meg Mendonça


Referência Bibliográfica

ACHOUR.A.J, Exercícios de Alongamento. Anatomia e Fisiologia. São Paulo. Ed Manole.2006
ALTER. M.J. A Ciência da Flexibilidade. São Paulo. Artmed. 1999.
DANTAS.E.H.M. Flexibilidade, alongamento e flexionamento. Rio de Janeiro. Shape. 1989
GAIARSA.A. Meio século de psicoterapia Verbal e Corporal. São Paulo. Ed Ágora. 2006
MARKONDES.E. A análise biotipológica da dança. Dança e Cia. São Paulo. Ano III. Abril / Maio 2000.
MENDOÇA.M. Método de Alongamento RP2 –Ciencia e Poesia. São Paulo . 2005